Captura, Uso e Armazenamento de Carbono
Tecnologias para a redução de emissões
O dióxido de carbono (CO2) é o principal gás do efeito estufa, e o aumento das emissões derivadas das atividades humanas é associado à elevação da temperatura global. Por isso, a redução das emissões de CO2 e a diminuição da sua concentração na atmosfera figuram entre os objetivos das estratégias de combate e mitigação das mudanças climáticas.
Essas estratégias são essenciais para limitar o aquecimento global e manter a temperatura da Terra em níveis seguros. Esse compromisso foi formalizado em 2015 por meio do Acordo de Paris, em que vários países, incluindo o Brasil, se comprometeram a manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. Para isso, as emissões de gases do efeito estufa devem ser neutralizadas até 2100, ou seja, toda emissão deve ser compensada pela remoção da quantidade equivalente desses gases da atmosfera.
Para zerar as emissões líquidas de CO2, os processos de captura e armazenamento do carbono em sumidouros são fundamentais. Os sumidouros são sistemas naturais ou artificiais que removem o carbono da atmosfera, atuando como “aspiradores” que sugam e retêm o CO2.
Juntos, os sumidouros naturais de carbono, como florestas, solos e oceanos, absorvem cerca de metade das emissões de CO2 provenientes das atividades humanas. Contudo, em 2023, sua capacidade de captura foi drasticamente reduzida, e quase nada de carbono foi removido por esses sistemas devido a fatores como desmatamento, secas, queimadas e efeitos decorrentes das mudanças climáticas.
Assim como os sistemas naturais, algumas tecnologias também podem contribuir para a redução das emissões de CO2 e, em alguns casos, para a remoção do CO₂ já presente na atmosfera. Essas tecnologias abrangem a captura, o uso e o armazenamento do carbono (ou CCUS, do inglês Carbon Capture, Utilisation and Storage).
O aumento das emissões de CO2 é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas. Além dos sistemas naturais de captura do carbono, tecnologias podem ser aplicadas para a redução das emissões e minimização dos impactos associados às mudanças climáticas. IMAGEM: Gerd Altmann/Pixabay.
O Brasil é um dos líderes globais em captura, uso e armazenamento de carbono. Em 2023, o Brasil foi o segundo país com maior capacidade de CCUS, capturando cerca de 10,6 milhões de toneladas de CO₂ – 19,3% de todo o carbono capturado globalmente, segundo o Energy Institute.
E na prática, como funciona a CCUS? Conheça a seguir suas aplicações, desafios e perspectivas.
Tecnologias e métodos para a captura, armazenamento e uso do carbono (CCUS)
A captura do carbono é o processo de remoção do CO2 por processos físicos, químicos ou biológicos. O CO2 pode ser capturado das fontes de emissão, antes de chegar à atmosfera, ou ser retirado diretamente do ar depois que já foi emitido.
A maioria das instalações de CCUS estão concentradas na América do Norte, Europa, Ásia e Pacífico, que juntos totalizam 94% da capacidade mundial de captura do CO2. A América do Sul tem apenas uma instalação, localizada no Brasil.
As instalações de CCUS podem variar quanto às configurações e métodos aplicados para captura, armazenamento e uso do carbono, como resumido a seguir.
Captura do carbono
O setor de energia foi responsável por 68% das emissões totais de gases do efeito estufa em 2023, segundo o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Além disso, a demanda por petróleo, carvão e gás deve atingir o pico até 2030. Com isso, a quantidade de CO2 na atmosfera deve aumentar ainda mais nos próximos anos em função da necessidade de produção de energia. Por isso, as tecnologias de captura do carbono mais maduras atualmente são aplicadas principalmente a esse setor.
Existem três métodos principais de captura do CO2 implementados em plantas de produção de energia: pré-combustão, pós-combustão e oxicombustão. Enquanto as capturas pré- e pós-combustão já são utilizadas comercialmente em larga escala, a oxicombustão está ainda nas fases de pesquisa, desenvolvimento e testes em escala piloto.
• Captura pré-combustão: remoção do CO2 do combustível antes que seja queimado, resultando em concentração elevada de CO2, o que facilita a captura. Esse processo também gera hidrogênio (H2), que pode ser utilizado como fonte de energia.
• Captura pós-combustão: aqui, o CO2 é separado dos gases produzidos após a queima do combustível. É o método de captura mais utilizado e com as tecnologias mais bem desenvolvidas atualmente.
• Oxicombustão: nesse processo, o combustível é queimado em um ambiente com oxigênio puro (em vez de ar, como na combustão tradicional), o que resulta na elevada concentração de CO2 nos gases de exaustão. Embora facilite a captura do CO2, é uma tecnologia custosa e ainda em fase de desenvolvimento.
Embora essas tecnologias sejam eficazes, o CO2 emitido por algumas fontes, como as dos setores residencial, de serviços e de transporte, é difícil de capturar. Logo, para esses e outros setores, a captura direta do ar pode ser uma alternativa, removendo o CO2 diretamente da atmosfera.
• Captura direta do ar: no processo industrial, ventiladores puxam o ar para dentro de um sistema de filtração, onde o CO2 é separado dos demais componentes, geralmente por absorção em um solvente líquido ou em um material poroso sólido, como resinas ou zeólitas.
Na captura direta do ar, o CO2 é sugado por grandes ventiladores e “sequestrado” diretamente da atmosfera, depois que já foi emitido. IMAGEM: Peter H/Pixabay
Nesse campo, surgem também projetos inovadores. Por exemplo, uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com uma empresa do setor da construção, investiga a captura direta de carbono por meio da construção de muros de contenção com o aproveitamento de resíduos de demolição. A estimativa é que seja possível capturar até duas toneladas de CO2 para cada metro linear de muro construído.
Além das tecnologias industriais, existe também o processo biológico natural de captura do carbono, realizado hoje principalmente por meio do reflorestamento. Nesse processo, as árvores e outras plantas absorvem o CO2 atmosférico durante a fotossíntese, armazenando-o em sua biomassa (troncos, folhas e raízes) por longos períodos. Nesse contexto, o Brasil apresenta o potencial de liderar o mercado de captura e armazenamento do carbono graças às vastas áreas disponíveis para reflorestamento e regeneração de florestas.
Devido às condições climáticas, a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica estão entre os melhores lugares para a captura e sequestro de carbono, o que representa uma oportunidade para fomentar a regeneração desses biomas brasileiros. IMAGEM: Renting/Unsplash.
Armazenamento e uso do carbono
Após a captura, o CO2 pode ser comprimido para transporte, armazenado ou utilizado em processos industriais.
Os principais métodos de armazenamento são:
1) Armazenamento geológico: o CO2 é injetado em reservatórios geológicos, como cavernas subterrâneas, aquíferos salinos profundos ou reservatórios de gás e petróleo esgotados, onde pode permanecer “aprisionado” por milhares de anos.
2) Recuperação avançada de petróleo: o CO2 é injetado em reservatórios para aumentar a pressão interna e otimizar a extração do petróleo. Esse processo é utilizado, por exemplo, pela Petrobrás nos campos de pré-sal na Bacia de Campos. O programa de CCUS da Petrobrás, inclusive, é o maior do mundo em operação em termos de volume de carbono.
O CO2 capturado também pode ser aproveitado na indústria como matéria-prima para a fabricação de produtos químicos, como combustíveis sintéticos, fertilizantes e plásticos.
Limitações e perspectivas
O principal obstáculo para a comercialização das tecnologias de captura, uso e armazenamento do carbono ainda é o custo elevado, embora se espere que seja reduzido para menos de 100 dólares por tonelada de CO2 até 2030.
Além disso, algumas tecnologias para CCUS ainda estão na “infância” e precisam de avanços para o aumento da capacidade. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), para atingir a meta de emissões zero até 2050, pelo menos 2,5 gigatoneladas de CO2 devem ser removidas da atmosfera por ano. Em 2023, porém, 55 milhões de toneladas foram capturadas, valor 45 vezes menor que o necessário. Por outro lado, esses números deverão aumentar em breve. Até 2030, com a implantação de novos projetos, a capacidade de captura anual deverá subir para 435 milhões de toneladas de CO2, enquanto a de armazenamento será de 615 milhões de toneladas.
Apesar da expectativa por novos projetos, a implementação das tecnologias de CCUS ainda enfrenta ainda limitações tecnológicas, econômicas, institucionais, ambientais e socioculturais. Contudo, o impacto dessas barreiras pode diminuir à medida que inovações e instrumentos políticos surgirem. Nesse sentido, o Brasil recentemente deu um passo importante com a promulgação da Lei nº 14.993/2024, que define as diretrizes para captura e estocagem geológica do CO2 no país.
Além das limitações, há críticas de que o incentivo ao CCUS poderia perpetuar o uso de combustíveis fósseis, desviando o foco das energias renováveis. Contudo, as tecnologias de captura, uso e armazenamento do carbono podem funcionar, por ora, como “amortecedores” dos impactos ambientais.
A captura, o uso e o armazenamento do carbono representam uma das várias estratégias para a mitigação das mudanças climáticas e devem ser combinadas com outras práticas, como a utilização de fontes renováveis de energia e investimentos em tecnologias limpas. Dessa forma, a CCUS pode ajudar na transição para uma economia de baixo carbono e contribuir para que o Brasil e o mundo alcancem suas metas climáticas e avancem rumo a um futuro mais sustentável.
Para mais notícias relacionadas às mudanças climáticas, acesse o Painel de Indicadores de Mudanças Climáticas de Curitiba: https://paineldemudancasclimaticas.org.br/
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Fontes consultadas
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