Vulnerabilidade Populacional
Um Fenômeno de Múltiplas Dimensões
As mudanças climáticas, especialmente a intensificação de eventos climáticos extremos, afetam todas as populações, mas os impactos são sentidos de maneiras diferentes entre as diversas populações e países. De acordo com o Quinto Relatório de Avaliação do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2014), a vulnerabilidade é definida como a propensão ou predisposição de um sistema ser adversamente afetado. Este conceito inclui elementos como sensibilidade, susceptibilidade, perdas, danos e a capacidade limitada para enfrentar e se adaptar a eventos estressores. O relatório enfatiza que os desafios aumentaram para as populações com menos recursos, que já enfrentam infraestrutura precária e serviços básicos deficientes, além de questões de gênero, cor e raça. Grupos como minorias étnicas (indígenas, quilombolas, ciganos), comunidades que dependem diretamente de recursos naturais (extrativistas, pescadores e ribeirinhos), pessoas em situação de rua e agricultores familiares são especialmente vulneráveis.
Origens da Vulnerabilidade
Segundo Cardona (2003), a vulnerabilidade origina-se da fragilidade ou exposição física, onde a susceptibilidade de um grupo pode ser afetada por um fenômeno climático, devido à sua localização na área de influência do fenômeno e falta de resistência; da fragilidade socioeconômica, relacionada a condições socioeconômicas desfavoráveis; e da falta ou ausência de resiliência, expressa pela limitação de acesso e incapacidade de resposta.
- Fragilidade ou exposição física: Comunidades localizadas em áreas propensas a desastres naturais, como zonas costeiras, encostas íngremes ou margens de rios, têm maior risco de sofrer danos físicos diretos de eventos climáticos extremos.
- Fragilidade socioeconômica: Populações desfavorecidas, com acesso limitado a recursos financeiros, educação e serviços de saúde, estão menos preparadas para enfrentar e se recuperar dos impactos climáticos.
- Falta de resiliência: Comunidades sem redes de apoio social, infraestrutura adequada e políticas públicas eficazes têm menor capacidade de adaptação e recuperação após desastres climáticos.
Vulnerabilidade Multidimensional
A vulnerabilidade às mudanças climáticas é um fenômeno multidimensional e dinâmico, influenciado por processos políticos, econômicos, culturais e históricos. Os padrões de vulnerabilidade humana são complexos e socialmente diferenciados, moldados pelo desenvolvimento ao longo do tempo. A interação entre as diferentes dimensões abaixo, pode criar situações de risco agravadas, onde as pessoas e comunidades mais vulneráveis são as mais afetadas.
1. Física: A localização geográfica de uma comunidade pode aumentar sua exposição a riscos climáticos, como enchentes, deslizamentos de terra, secas e tempestades. As áreas costeiras, por exemplo, são mais suscetíveis ao aumento do nível do mar e tempestades severas.
2. Socioeconômica: Grupos com menor poder econômico têm menos capacidade de investir em infraestrutura resistente a desastres e menos recursos para se recuperar após eventos climáticos extremos. A pobreza também está associada a uma maior dependência de recursos naturais vulneráveis às mudanças climáticas.
3. Cultural: Questões de identidade cultural e práticas tradicionais podem influenciar a forma como as comunidades percebem e respondem aos riscos climáticos. Grupos indígenas e comunidades tradicionais podem ter conhecimentos específicos sobre o manejo de recursos naturais, mas também podem enfrentar desafios adicionais devido à segregação social e econômica.
4. Política: A capacidade de uma comunidade de se adaptar às mudanças climáticas também depende de seu acesso a políticas públicas eficazes e a capacidade de influenciar decisões políticas. A falta de representação política e participação pode aumentar a vulnerabilidade.
5. Tecnológica: O acesso a tecnologias adequadas para prever, mitigar e adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas é crucial. Comunidades com acesso limitado a tecnologias de informação, comunicação e infraestrutura resiliente enfrentam maiores desafios.
Impactos Desiguais no Território Brasileiro
As alterações climáticas e seus impactos ocorrem de maneira desigual no território brasileiro. Em relação a diferentes grupos populacionais, as mudanças climáticas formam uma rede complexa de interações que podem ser exacerbadas. A dupla exposição, onde a degradação ambiental agrava a vulnerabilidade social, é um fator adicional. Exemplos de impactos incluem:
- Redução de volume de lagoas e níveis de rios: Afetando a subsistência e isolando comunidades ribeirinhas, que dependem dessas fontes de água para seu sustento e transporte.
- Calor excessivo: Impactando principalmente comunidades de baixa renda, idosos e crianças devido à falta de recursos e infraestrutura, como acesso a ar-condicionado e locais frescos para abrigo.
- Aumento de vetores de doenças: Resultante do aumento das temperaturas, e mudanças nos padrões de precipitação pluviométrica, que favorece a proliferação de vetores transmissores de doenças.
- Produtividade agrícola: Afetada por secas, enchentes e mudanças nos padrões de chuva, comprometendo a subsistência e produção de alimentos e levando à migração para áreas urbanas, gerando os "refugiados ambientais". Esta migração pode sobrecarregar infraestruturas urbanas já pressionadas, aumentando a vulnerabilidade urbana.
- Enchentes, deslizamentos e alagamentos: Provocando perdas econômicas e de vidas, especialmente em áreas de risco, como encostas e margens de rios, com habitações inadequadas e falta de planejamento urbano.
- Populações costeiras: Sofrendo com o aumento do nível do mar, tempestades e erosão costeira, resultando em inundações e perda de terras e construções. Além disso, a salinização dos solos pode comprometer a agricultura e o abastecimento de água potável.
- Incêndios florestais: Podendo ser mais intensos, afetando a saúde, subsistência e moradia de comunidades em ecossistemas vulneráveis.
Medidas para Combater a Vulnerabilidade
Para combater a vulnerabilidade populacional e alcançar uma sustentabilidade é necessário:
-Habitação adequada: Investir em programas de habitação que garantam moradias seguras e resilientes.
-Saneamento básico: Ampliar o acesso a sistemas de saneamento eficientes para prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida.
-Educação e conscientização: Promover a educação sobre mudanças climáticas e seus impactos, capacitando as comunidades a adotarem práticas sustentáveis e a se prepararem para enfrentar os desafios climáticos.
-Acesso a fontes de energia limpa e sustentável: Reduzir a dependência de combustíveis fósseis e facilitar o acesso a fontes de energia renovável.
-Transporte público: Desenvolver sistemas de transporte público eficientes e sustentáveis, melhorando acessibilidade e a mobilidade urbana.
-Planejamento urbano: Implementar políticas de planejamento urbano que considerem a resiliência climática, como investir em infraestrutura de drenagem (galerias pluviais, canais de drenagem, reservatórios de detenção e retenção de água), e a incorporação de infraestruturas verdes (parques, telhados verdes, corredores).
-Sistemas de alerta precoce e resposta a desastres: Estabelecer sistemas de alerta precoce para eventos climáticos extremos e fortalecer a capacidade de resposta a desastres, especialmente em comunidades vulneráveis.
Essas medidas são essenciais para construir uma sociedade mais justa e resiliente, capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. A implementação dessas ações requer a colaboração entre governos, organizações não governamentais, setor privado e a sociedade civil para garantir que todas as vozes sejam ouvidas e que as soluções sejam inclusivas e eficazes.
Acesse o Painel de Indicadores de Mudanças Climáticas de Curitiba: https://paineldemudancasclimaticas.org.br/
Fontes:
Agenda 2030: Combater a crise climática exige enfrentar desigualdades raciais, de gênero e socioeconômicas
Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/agenda-2030-combater-a-crise-climatica-exige-enfrentar-desigualdades-raciais-de-genero-e-socioeconomicas/
Análise da organização institucional de pequenos municípios para a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas globais
Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106132/tde-15122021-163546/en.php
CARDONA, O.D. The Need for rethinking the concepts of vulnerability and risk from a holistic perspective: A necessary review and criticism for effective risk management. In: Mapping vulnerability: Disasters, Development and People London: Earthscan Publishers, 2003. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/254267457_The_Need_for_Rethinking_the_Concepts_of_Vulnerability_and_Risk_from_a_Holistic_Perspective_A_Necessary_Review_and_Criticism_for_Effective_Risk_Management1.
Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability
Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-working-group-ii/
Grupos tradicionais e específicos
Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/cadastro_unico/_filipeta_cadunico_periodo_eleitoral.pdf
IPCC. Summary for policymakers. In: DOKKEN, D.J. et al. (Org.) Climate Change 2014: Impacts, Adaption, and Vulnerability. Part A: Global and Sectoral Aspects Cambridge: Cambrige Univesty Press, p. 1-32. 2014. Disponível em: http://ipcc-wg2.gov/AR5/images/uploads/WG2AR5_SPM_FINAL.pdf
Povos e Populações Vulneráveis no Contexto da Mudança do Clima
Disponível em: http://adaptaclima.mma.gov.br/povos-e-populacoes-vulneraveis-no-contexto-da-mudanca-do-clima#impactos
Um Modelo Conceitual de Probabilidade para Determinação da Vulnerabilidade Populacional ao Clima
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbmet/a/XMPbmDJPVzrKsnQWrBPRDPM/?lang=pt
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