Solos em Risco
A Urgência da Conservação Frente às Mudanças Climáticas
Em um minuto:
- Os solos são essenciais para a vida na Terra, sustentando a produção de alimentos, purificando a água, regulando o clima e abrigando boa parte da biodiversidade do planeta.
- Solos e mudanças climáticas: os solos armazenam grandes quantidades de carbono, mas quando degradados, liberam CO₂, agravando o aquecimento global.
- Degradação acelerada: 75% dos solos do mundo estão degradados, e esse número pode chegar a 90% até 2050. Entre as principais causas estão práticas agrícolas insustentáveis, desmatamento, urbanização desordenada e efeitos da crise climática.
- Impactos: solos degradados comprometem a segurança alimentar, aumentam as emissões de gases de efeito estufa, agravam as mudanças climáticas e podem gerar conflitos e migrações em massa.
- Ações para a conservação: exemplos incluem o combate ao desmatamento, práticas agrícolas mais sustentáveis e ações de mitigação das mudanças climáticas.
No dia 15 de abril, celebra-se o Dia Nacional da Conservação do Solo, instituído pela Lei n° 7.876 de 1989. A data destaca a importância dos solos para a produção de alimentos, a purificação da água, a regulação do clima e a preservação da biodiversidade. Como reconhece a Organização das Nações Unidas (ONU), a conservação dos solos é tão fundamental para a vida na Terra que integra as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A questão é tão importante que está ligada até mesmo ao florescimento — e ao declínio — de antigas civilizações. Em sociedades como a suméria, na Mesopotâmia, a salinização e a erosão das terras altas enfraqueceram a agricultura e, consequentemente, a base econômica e social que sustentava essas populações. De modo similar, a degradação dos solos contribuiu para o colapso da Grécia Antiga e do Império Romano. Solos férteis impulsionam o crescimento e a estabilidade das nações. Porém, quando a demanda por alimentos aumenta e as práticas insustentáveis se tornam comuns, a perda da saúde do solo compromete a produção, ameaça a segurança alimentar e enfraquece a resiliência social e política.
Hoje, assim como no passado, solos saudáveis sustentam a vida. Sem a sua conservação, a qualidade da água, a estabilidade climática, a segurança alimentar e outros serviços ecossistêmicos são ameaçados.
Serviços ecossistêmicos realizados pelos solos
Os solos oferecem ampla gama de serviços ecossistêmicos que asseguram o equilíbrio da vida na Terra:
• Suporte à vida
Os solos são a base para o crescimento das plantas, seja em sistema agrícolas, florestais ou naturais. Além disso, abrigam grande número de organismos, como bactérias, fungos e insetos, essenciais para a manutenção dos ecossistemas terrestres: estima-se que contemplem 25% de toda a biodiversidade do planeta.
• Regulação do clima
Os solos detêm o segundo maior estoque de carbono do planeta, atrás apenas dos oceanos. Por isso, são aliados no combate às mudanças climáticas, reduzindo a quantidade de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera e armazenando-o como carbono orgânico. Contudo, quando manejados de forma inadequada, os solos liberam esse carbono, intensificando o aquecimento global.
Para se ter ideia da importância dos solos como reservatórios naturais, um levantamento do MapBiomas mostra que, apenas no Brasil, os solos armazenam quantidade de carbono equivalente a tudo o que o país emitiria em 70 anos.
• Purificação da água
O solo atua como um “filtro vivo”, purificando a água que passa por ele antes de chegar aos lençóis freáticos ou corpos hídricos.
• Controle da erosão e reciclagem de nutrientes
Quanto maior a cobertura vegetal sustentada pelo solo, maior é a sua capacidade de prevenir a erosão. O solo também participa da reciclagem de nutrientes, transformando a matéria orgânica (restos vegetais e animais, por exemplo) em substâncias essenciais que podem ser reaproveitadas por outros organismos.
• Fornecimento de recursos
Quase 99% da produção mundial de alimentos depende diretamente dos solos. Eles também fornecem fibras, combustíveis e outros produtos importantes para a subsistência humana.
• Suporte cultural, educativo e recreacional
Os solos também têm valor cultural e educativo. Muitas práticas tradicionais, como formas de cultivo, estão enraizadas na relação das comunidades com a terra. Além disso, solos saudáveis e paisagens bem preservadas atraem turistas e promovem a educação ambiental.
Apesar da sua importância, os solos estão sofrendo rápida degradação devido às atividades humanas e à emergência climática.
Ameaças aos solos
Segundo o Atlas Mundial da Desertificação, 75% dos solos do planeta já estão degradados, afetando diretamente 3,2 bilhões de pessoas. Se nada for feito, estima-se que, até 2050, esse número poderá chegar a 90%.
Dados do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR) mostram que, todos os anos, cerca de 12 milhões de hectares de solos agrícolas são perdidos devido à degradação.
A degradação ocorre por mecanismos biológicos, químicos e físicos e pode ser definida como a alteração do estado de saúde do solo que limita sua capacidade de fornecer bens e serviços ecossistêmicos. A redução da qualidade dos solos pode acontecer em função da perda de matéria orgânica, diminuição da fertilidade, mudanças da condição estrutural (como compactação e subsidência), erosão, desequilíbrio nutricional, impactos negativos nas propriedades do solo (como salinidade, acidez ou alcalinidade), movimentação de massas e contaminação por substâncias tóxicas.
Grande parte da condição atual é resultado das atividades humanas. Entre os fatores de degradação estão práticas agrícolas não sustentáveis, crescimento populacional acelerado, desmatamento ilegal e desenvolvimento industrial e urbano desordenado, além dos impactos da crise climática agravada pelas emissões antrópicas.
Os solos e as mudanças climáticas estão entrelaçados em uma relação de mão dupla. A degradação dos solos — causada, por exemplo, pela erosão — libera o carbono armazenado na matéria orgânica para a atmosfera na forma de CO2, intensificando o aquecimento global. Ao mesmo tempo, as mudanças climáticas, com seus eventos extremos, como secas, chuvas intensas e incêndios florestais, aceleram processos de deterioração, alteram a estrutura física dos solos e comprometem sua fertilidade e capacidade de sustentar ecossistemas e culturas agrícolas. É um ciclo de retroalimentação: os solos degradados podem agravar as mudanças climáticas, que, por sua vez, prejudicam ainda mais os solos. Um exemplo da gravidade dos impactos dos eventos climáticos extremos são as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul: os solos afetados podem demorar até 40 anos para que recuperem sua capacidade produtiva.
As consequências são profundas e vão além da questão ambiental. A deterioração dos solos compromete a produção de alimentos, tanto em quantidade quanto em qualidade, e impacta diretamente a segurança alimentar, podendo fomentar desigualdades sociais, levar a migrações em massa e produzir conflitos.
Além disso, estima-se que a degradação dos solos contribua com cerca de 21% das emissões associadas às mudanças climáticas, além de influenciar a acidificação dos oceanos e a perda da camada de ozônio. A degradação dos solos também pode resultar em prejuízos, que, somente na União Europeia, excedem 50 bilhões de euros por ano.
Soluções para a conservação dos solos
Em um cenário de mudanças climáticas e aumento da demanda por alimentos para abastecer a crescente população mundial, torna-se urgente adotar práticas de manejo que sejam resilientes ao clima, capazes de aumentar a produtividade e contribuir para a mitigação dos impactos ambientais.
A conservação do solo abarca práticas preventivas e, quando necessário, ações corretivas para recuperar áreas já degradadas. As práticas preventivas buscam proteger os recursos naturais e preservar a produtividade agrícola. Já a correção entra em cena quando a degradação já começou. Nessa fase, o objetivo é interromper o avanço dos danos e iniciar a recuperação das funções do solo.
Conheça, a seguir, soluções para a conservação da saúde e produtividade dos solos.
• Combate ao desmatamento e incentivo ao reflorestamento e à recuperação de áreas degradadas
As áreas de vegetação nativa ajudam a proteger o solo contra processos como erosão, compactação e perda de nutrientes. No Brasil, por exemplo, do total de 37,5 bilhões de toneladas de carbono orgânico presentes nos solos, a maior parte (63%) está estocada em solos sob cobertura nativa estável, que ainda não foi convertida para uso antrópico. Esse dado reforça a importância do combate ao desmatamento como medida essencial para preservar a biodiversidade e conservar a saúde e a qualidade dos solos.
Por sua vez, a recuperação da vegetação nativa em áreas afetadas pela degradação é importante para restaurar a saúde dos solos, melhorar a infiltração da água, reduzir a erosão e promover a biodiversidade. O reflorestamento também contribui para a captura de carbono, auxiliando no combate às mudanças climáticas.
• Agricultura regenerativa e práticas agrícolas sustentáveis
Dentro do conjunto de práticas para a conservação, a agricultura regenerativa vem ganhando destaque. Técnicas como o plantio direto, a rotação de culturas e a cobertura permanente do solo ajudam a manter a fertilidade, promover a biodiversidade e capturar carbono.
As propriedades que adotam a agricultura de conservação podem experimentar o aumento da saúde do solo, sem comprometer a produtividade das lavouras, mesmo em condições de mudanças climáticas.
• Sistemas integrados e agroflorestais
Outra solução é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), sistema que combina agricultura, pecuária e florestas na mesma área. Essa abordagem busca promover o uso eficiente da terra, diversificar a renda dos produtores e contribuir para a preservação ambiental.
De maneira semelhante, os sistemas agroflorestais — que integram espécies arbóreas com cultivos agrícolas ou pastagens — oferecem benefícios ecológicos. A prática reduz a erosão do solo, conserva a biodiversidade, melhora a fertilidade, contribui para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas e aumenta o sequestro de carbono. Apesar desses ganhos, a adoção em larga escala ainda enfrenta desafios, como a falta de conhecimento técnico.
• Tecnologias digitais: monitoramento da saúde do solo
O futuro da conservação do solo também passa pela tecnologia. Sensores, drones, imagens de satélite, inteligência artificial e internet das coisas (IoT, da sigla em inglês) permitem monitorar a saúde das lavouras, otimizar o uso de recursos naturais e reduzir desperdícios. A agricultura de precisão, que utiliza essas e outras tecnologias, possibilita identificar áreas mais vulneráveis à degradação e agir de forma rápida.
• Estratégias de mitigação de emissões
Além de práticas específicas para conservação do solo, é importante considerar ações mais amplas que contribuam para a mitigação das mudanças climáticas — que, por sua vez, impactam diretamente a qualidade e estabilidade dos solos. Reduzir o consumo de combustíveis fósseis e redirecionar investimentos para fontes de energia renováveis estão entre as ações para redução dos gases de efeito estufa. Outras estratégias incluem a promoção da eficiência energética em setores como indústria e transporte, a adoção de tecnologias limpas, o aumento da cobertura vegetal em áreas urbanas e o estímulo a padrões de consumo mais sustentáveis.
Diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas e pelo crescimento da população, conservar os solos é uma tarefa essencial. Adotar práticas preventivas, restaurar áreas degradadas, investir em sistemas de produção mais sustentáveis e incorporar tecnologias digitais são caminhos complementares para garantir a saúde do solo hoje e no futuro. Ao proteger esse recurso natural, estamos também fortalecendo nossa capacidade de produzir alimentos, conservar a biodiversidade e enfrentar os desafios climáticos com mais resiliência.
Para mais conteúdo relacionado às mudanças climáticas, acesse o Painel de Indicadores de Mudanças Climáticas de Curitiba neste link.
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Para citar este artigo:
OBSERVATÓRIO SISTEMA FIEP / PAINEL DE INDICADORES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE CURITIBA (PIMCC). Solos em Risco: A Urgência da Conservação Frente às Mudanças Climáticas. Disponível em: https://paineldemudancasclimaticas.org.br/noticia/solos-conservacao-mudancas-climaticas. Acesso em: dd/mm/aaaa.
#MudançasClimáticas #ClimateChange #ConservaçãoDoSolo #SoloSaudável #AgriculturaSustentável #VidaNaTerra #ODS #Agenda2030
Fontes consultadas
BOEHM, CAMILA / AGÊNCIA BRASIL. Brasil estoca no solo o equivalente a 70 anos de emissões de CO2. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-06/brasil-estoca-no-solo-o-equivalente-70-anos-de-emissoes-de-co2. Acesso em: 9 abr. 2025.
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