Mudanças Climáticas e o Custo da Comida
Como os Eventos Extremos Afetam o Preço dos Alimentos
Em um minuto:
- Eventos climáticos extremos como secas, tempestades e ondas de calor podem impactar a produção de alimentos, resultando no aumento dos preços.
- Atualmente, os alimentos estão entre os principais responsáveis pela inflação no Brasil.
- Soluções para mitigar os impactos das variações climáticas na produção e preço dos alimentos incluem práticas agrícolas mais sustentáveis, biotecnologia (como uso de bioinsumos e desenvolvimento de culturas resistentes) e monitoramento de risco.
Eventos climáticos extremos, como secas, tempestades e ondas de calor, estão cada vez mais frequentes e intensos, afetando diretamente a agropecuária e, consequentemente, a produção de alimentos. No Brasil, os efeitos são visíveis: em 2024, a agropecuária foi o único setor do PIB a registrar queda, com retração de 3,2%, enquanto o PIB geral do país cresceu 3,4%. Esse foi o pior desempenho do setor desde 2016.
Além dos prejuízos para os produtores, as mudanças no clima podem afetar a oferta de alimentos. No ano passado, o consumo das famílias brasileiras, um dos componentes do PIB, cresceu 4,8% em relação a 2023, mas a produção agrícola não acompanhou esse ritmo. Com menos produtos disponíveis e maior demanda, os preços subiram, tornando a alimentação mais cara para a população.
Os alimentos já estão entre os principais responsáveis pela inflação no Brasil: enquanto o índice geral ficou em 4,83% em 2024, os preços de alimentos e bebidas aumentaram 5,4% apenas nos últimos cinco meses. Isso significa que comer ficou mais caro em velocidade superior à de outros gastos do dia a dia.
A alta nos preços, por sua vez, tem impactos diretos na segurança alimentar. Quando os alimentos encarecem, mais pessoas podem enfrentar dificuldades para se alimentar adequadamente, agravando a fome. Segundo o relatório “Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutrição 2024”, lançado por cinco entidades das Nações Unidas em janeiro, pelo menos 20 países da América Latina e do Caribe estão sob risco de insegurança alimentar devido a eventos climáticos extremos. Em 2023, a fome atingiu 41 milhões de pessoas na região.
Para conter a escalada dos preços, o governo brasileiro chegou a adotar medidas como a isenção de impostos sobre a importação de produtos como carne, café e milho. Também negocia com os estados a isenção do ICMS para itens da cesta básica, que já são livres de tributos em âmbito nacional.
O clima como fator de instabilidade nos preços
A agricultura é uma das atividades mais sensíveis às variações climáticas. No cenário global, alguns dos produtos mais afetados pela crise climática são soja, azeite de oliva, batata e cacau. No Brasil, os preços de alimentos como abacate, café, laranja, soja, leite e carnes tiveram aumentos expressivos nos últimos meses em função de fenômenos como secas, tempestades e ondas de calor.
Conheça, a seguir, exemplos dos impactos dos eventos extremos no preço dos alimentos:
• Secas
A estiagem pode afetar severamente plantações como as de milho e soja, reduzindo a oferta e elevando os preços desses produtos. No Brasil, essas duas culturas representam 90% do volume total de grãos, e a queda do PIB do setor agropecuário em 2024 foi, em grande parte, consequência das perdas causadas pela crise climática, com destaque para os efeitos da seca.
Além disso, como a maior parte da safra global de soja e milho é destinada para alimentação animal, os impactos na produção e nos preços atingem também produtos como carnes, leite e ovos.
Outro exemplo é o café, um dos principais responsáveis pela atual inflação dos alimentos no país. Em 2025, seu preço tem batido recordes históricos: o quilo do café torrado e moído ficou 89% mais caro em um ano, enquanto a saca de 60 quilos do café arábica subiu mais de 160%. Entre os fatores que explicam a alta, estão a maior demanda e condições climáticas como as ondas de calor e a seca registradas em 2024 em regiões produtoras como Minas Gerais e São Paulo. Como resultado, a safra de 2025 pode ser 12,4% menor que a do ano passado.
• Tempestades
Tempestades severas podem causar grandes prejuízos à agricultura, destruindo plantações e a infraestrutura agrícola, o que encarece diversos produtos.
Com as fortes chuvas que assolaram o litoral paranaense em fevereiro deste ano, cerca de 1,5 mil hectares de bananais foram afetados. A região é uma das principais produtoras de banana do Paraná.
Os impactos das tempestades também foram sentidos no Rio Grande do Sul, onde as enchentes de 2024 resultaram na perda de cerca de 2,7 milhões de toneladas de soja. Os prejuízos se refletiram também no preço de rações animais e óleo de soja, cujo preço aumentou mais de 24% no último ano.
Além das perdas imediatas, os solos degradados pelas enchentes na serra gaúcha podem levar até 40 anos para a completa recuperação.
• Ondas de calor
As ondas de calor podem comprometer a produtividade animal e vegetal, elevando custos de produção e, consequentemente, o preço dos alimentos.
Um dos possíveis reflexos desse fenômeno foi a alta recorde no preço dos ovos em fevereiro. O calor intenso, registrado no Brasil nos últimos meses, reduz a produtividade das galinhas poedeiras, o que pode ter contribuído para a elevação de quase 50% no custo desses produtos. Além disso, o aumento no preço da ração, impulsionado pela soja e pelo milho, agravou ainda mais a situação.
O setor leiteiro também foi afetado pelas ondas de calor. No Paraná, por exemplo, segundo maior produtor do país, foi observada a redução de até 8% no volume de leite produzido em função das elevadas temperaturas. Para mitigar os impactos do estresse térmico, alguns criadores têm recorrido a sistemas de climatização e banhos nas vacas leiteiras, enquanto outros têm investido na criação de raças mais resistentes ao calor. No entanto, essas medidas geram custos adicionais, que podem ser repassados ao consumidor.
Além dos produtos de origem animal, culturas agrícolas também sofrem com o calor extremo. O trigo, por exemplo, é uma cultura adaptada a climas mais amenos. Com o aquecimento global e ondas de calor mais frequentes e intensas, pode amadurecer prematuramente e apresentar menor rendimento. Com isso, os preços do trigo e de seus derivados, como pães e massas, tendem a subir.
Soluções para reduzir os impactos dos eventos extremos na produção e preço dos alimentos
Para minimizar os efeitos das mudanças climáticas sobre a agricultura e garantir maior estabilidade nos preços dos alimentos, diversas soluções podem ser implementadas. Confira algumas delas:
• Incentivos a práticas agrícolas mais adaptadas ao novo contexto climático
Práticas agrícolas como rotação de culturas, sistemas agroflorestais e agricultura regenerativa ajudam a manter a fertilidade do solo, reduzir a necessidade de insumos químicos e tornar as cadeias produtivas mais resilientes e sustentáveis. Além disso, o plantio de cultivos diversificados fortalece a segurança alimentar, diminuindo a dependência de poucas culturas, que podem ser mais vulneráveis às variações climáticas.
O apoio a essas práticas pode vir, por exemplo, por meio de políticas públicas e do incentivo ao crédito para pequenos e médios produtores. Investir em sistemas de monitoramento climático e infraestrutura agrícola também é fundamental para antecipar riscos às culturas e minimizar impactos dos eventos extremos.
• Biotecnologia e bioinsumos
Produtos como bioestimulantes e biofertilizantes podem ajudar as plantas a resistir melhor aos estresses climáticos. O bioinsumo AURAS, desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente e pela empresa NOOA Ciência e Tecnologia Agrícola, por exemplo, otimiza o uso da água pelas plantas e reduz os impactos da seca em culturas como soja, milho e trigo.
• Desenvolvimento de culturas mais resistentes
Pesquisadores e empresas têm investido no desenvolvimento de variedades agrícolas mais resistentes a condições climáticas extremas. Esse processo pode ser realizado tanto por meio do melhoramento genético convencional quanto por ferramentas biotecnológicas modernas, como a edição genética via CRISPR/Cas9 e a epigenética. Essas estratégias permitem criar plantas mais tolerantes ao calor, à seca e a doenças que se tornam mais comuns com o aquecimento global.
A Starbucks, por exemplo, está desenvolvendo variedades de cafeeiros da espécie arábica adaptadas ao aumento das temperaturas e mais resistentes à ferrugem do café.
Nos Estados Unidos, a startup Decibel Bio criou uma solução tecnológica que prolonga a durabilidade de tomates sem alterar seu DNA. Essa técnica também pode ser aplicada a outras culturas, aumentando sua resistência a secas e enchentes.
• Soluções inovadoras
No Brasil, a Embrapa e a indústria de biofertilizantes Litho Plant desenvolveram o Sombryt BR, um protetor solar vegetal que ajuda a reduzir a queima de frutos e aumentar a produtividade a partir da melhoria do balanço energético e da eficiência no uso de água pela planta. O produto já foi testado em culturas de abacaxi, banana, citros, mamão, manga e maracujá.
• Informação climática para reduzir riscos na agricultura
O acesso a dados climáticos e meteorológicos aumenta a segurança dos produtores e orienta decisões estratégicas, ajudando a minimizar perdas causadas por secas, chuvas intensas ou variações de temperatura.
Uma das principais ferramentas para essa finalidade no Brasil é o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que orienta agricultores sobre as melhores épocas e regiões para o plantio de acordo com as condições climáticas de cada município.
Para tornar as informações mais acessíveis, a Embrapa desenvolveu o aplicativo gratuito ZARC – Plantio Certo. Nele, o produtor informa o município, tipo de solo, cultura e ciclo da planta e recebe recomendações sobre a melhor época de plantio, além da estimativa de risco climático.
• Transição de culturas
Com as mudanças climáticas, o aumento das temperaturas e a alteração nos padrões de chuvas podem impactar a produtividade agrícola. Algumas culturas tradicionalmente plantadas em determinadas regiões podem ser desfavorecidas, enquanto outras passam a ter melhor desempenho. Esse fenômeno exige planejamento para garantir a continuidade da produção e a estabilidade dos preços dos alimentos.
Um exemplo dessa adaptação é a priorização de frutas tropicais em regiões que se tornarão mais quentes, uma vez que muitas dessas culturas apresentam maior tolerância a elevadas temperaturas.
Além disso, em áreas com maior risco de seca, culturas altamente dependentes de água estão sendo substituídas por variedades mais resilientes ao estresse hídrico, como sorgo e o milheto.
Em resumo, os eventos extremos, como secas, tempestades e ondas de calor, afetam a oferta e os preços dos alimentos, pressionando produtores e consumidores. Porém, avanços tecnológicos, planejamento agrícola baseado em dados climáticos e incentivos aos produtores podem fortalecer a resiliência do setor agropecuário, garantindo um sistema alimentar com mais estável.
Para mais conteúdo relacionado às mudanças climáticas, acesse o Painel de Indicadores de Mudanças Climáticas de Curitiba neste link.
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Para citar este artigo:
OBSERVATÓRIO SISTEMA FIEP / PAINEL DE INDICADORES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DE CURITIBA (PIMCC). Mudanças Climáticas e o Custo da Comida: Como os Eventos Extremos Afetam o Preço dos Alimentos. Disponível em: https://paineldemudancasclimaticas.org.br/noticia/preco-alimentos-mudancas-climaticas. Acesso em: dd/mm/aaaa.
#MudançasClimáticas #ClimateChange #Agronegócio #SegurançaAlimentar
Fontes consultadas
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